02 novembro, 2012

Crónicas de uma morte jornalística anunciada

O jornalismo está em crise por muitas razões, e é essa mesma crise que explica a existência de lixo como aquele que me preparo para mostrar. Explica, mas não justifica. E, na minha opinião, se a curto prazo permite umas quantas pageviews - boas para anunciante ver - a médio prazo só nos leva a nós todos, jornalistas, ainda mais ao fundo.

Andou a circular hoje nas redes sociais um jogo chamado "Gaspaf", que permitia dar umas estaladas no nosso ministro das Finanças. Como não ficar fã de um joguinho que permite esbofetear Vítor Gaspar, ainda que ciberneticamente? Tive a sorte de saber quem o tinha criado e acedi ao jogo ainda de manhã.

No entanto, a esta hora, o jogo foi mandado abaixo (lamento por vocês que nunca puderam dar uma bofetada ao Gaspar, mas posso dizer que dei as suficientes por várias pessoas). E foi mandado abaixo porque o Jornal i achou que um joguinho era motivo de notícia, gerando uma mediatização que o seu criador não desejava.

Este tipo de inutilidades virais são motivo de notícia? Em que escola andou o estagiário que provavelmente a fez? O que entende por jornalismo o editor que permitiu que isto fosse publicado? O que dá a entender é que, no jornalismo online, a ditadura do tempo e da pageview não quer saber do jornalismo para nada. As notícias são colocadas à pressa, o contraditório tenta-se buscar mais tarde, a verificação da história fica para uma futura notícia se for preciso. E um dia acordamos, o jornalismo está na sarjeta e continuamos a empurrá-lo para baixo.



Pelo menos o Público, quando precisa de corrigir uma notícia, coloca em baixo uma nota: "notícia corrigida às x horas com x actualização / correcção". Dentro do inevitável, haja alguma decência.

Mas o Jornal i, em vez de se preocupar tanto em ganhar prémios pelo embrulho, podia esforçar-se mais pelo conteúdo. Percebendo que a primeira notícia não o era, achou que se inventasse um título mais dramático conseguia salvar o dia. "Jogo incita a violência conta Vítor Gaspar", escreveu o parvo de serviço, que nem na ortografia acertou. Na notícia actual não está, obviamente, nenhuma referência a qualquer edição, apenas na data se pode ver que foi actualizada, mas isso é um autêntico nada.

Claro que para dizer que o autor "incita a violência", o jornal teve de apagar os dois últimos parágrafos da notícia original, um dos quais, e cito, "Para dar estalos ao ministro das Finanças clique aqui", com direito a link para a aplicação e tudo. Bonita, a auto-referência ao incitamento à violência.

O criador do jogo apanhou a edição, colocou a foto na página de facebook do jornal e, em vez de uma resposta à sua pergunta, só teve direito a ver o seu comentário censurado.

Um jornal que se comporta desta forma faz-me duvidar de todo o conteúdo do site. Faz-me desconfiar de toda a sua conduta. Sei que o i atravessa dificuldades, como todos os outros, e já se viu forçado a reformular o negócio e a fazer despedimentos.

A minha única dúvida é se acham que é assim que vão conquistar alguma coisa que não seja, um dia, um jogo igual ao do Gaspar, mas onde podemos todos esbofetear o i com um clique no rato.



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