03 agosto, 2009

Estes homossexuais que querem dar sangue para provocar...

O dia em que eu passei no código foi um dia atribulado. Volto agora à que foi, para mim, a segunda 'notícia' do dia - uma entrevista do presidente do Instituto Português do Sangue ao jornal i

"Gays que não se assumam devem ser processados"

Presidente do Instituto Português do Sangue invoca a experiência internacional e estudos científicos para justificar uma exclusão que não vê como sinónimo de discriminação

É evidente que a exclusão é sempre por comportamento de risco, nunca por grupo de risco. Está provado - todos os meses saem relatórios - que o risco do homem que tem sexo com outro homem é grande. De tal modo que os ingleses publicaram em Março uma resolução para poderem perguntar explicitamente aos possíveis dadores se tiveram sexo anal ou oral com outro homem. E não é por terem nada contra os gays. Nós fazemos as palavras deles nossas. Há factores de risco identificados e são exactamente esses factores que procuramos detectar. A nossa missão é dar o sangue mais seguro possível ao doente. É para isso que estamos aqui. O doente tem esse direito.

Mas por que considera que ser homossexual é ter um comportamento de risco? A pergunta não devia ser: Fez sexo desprotegido, independentemente da orientação sexual?

Todos os dados apontam no sentido de haver uma maior liberalidade do comportamento das pessoas que têm sexo com outros homens. E vou evitar usar a palavra homossexual, porque parece que não é politicamente correcto. Por causa do politicamente correcto, quase nos falta palavras para usar. Não posso falar de selecção de dadores, que me chamam Hitler. Nós não temos absolutamente nada contra os homossexuais. A doação de sangue é feita sem olhar a religião, a partidos, a nada. É feita porque há pessoas que precisam dela. Todo o esforço tem que ser o de encontrar o melhor sangue. Mas então toda a Europa, todo o mundo está enganado? Países muito liberais, como a Holanda ou a Suécia, estão enganados quando dizem que esse comportamento é de risco?

Homens que têm sexo com homens são excluídos em toda a Europa?

São, excepto na Itália. É evidente que tudo é baseado na confidencialidade. O dador chega e são-lhe feitas perguntas que são muito embaraçosas para qualquer pessoa. Mas se a pessoa quer dar sangue, tem que fazer isto. Sabemos quais as situações de risco e temos que perguntar até chegarmos àquele ponto em que consideramos: tenho dúvidas. E, na dúvida, não aceitamos.

(...)

Mas qual é exactamente comportamento de risco nos homossexuais que faz com que sejam excluídos?

Múltiplos parceiros, relações não protegidas, fazer sexo oral e anal.

Mas todas essas perguntas também se aplicam, exactamente da mesma forma, aos heterossexuais.

E nós perguntamos.

Mas não os excluem à partida.

Excluímos. Esse é que é o equívoco. Todas as pessoas que têm estes comportamentos são excluídas. A média de exclusão é na ordem dos 27% a 30%. Às vezes vamos a escolas superiores e excluímos 50% ou mais. Não é porque estejam infectados, é porque basta uma relação sexual não protegida nos últimos seis meses para anular a dádiva. É muito desanimador quando vamos a um sítio destes e metade são excluídos por comportamentos de risco. Mas há uma diferença. Estes são eliminados e aceitam, os homossexuais não. E dizem que é discriminação.

E quando a relação é protegida?

A relação sexual nunca é 100% protegida, isso é outro equívoco. Há preservativos que se rompem, pode haver fuga de líquidos, outros contactos. Não estamos a dizer que não aceitamos homossexuais, mas que não aceitamos comportamentos de risco.

Um casal homossexual com uma relação estável e sem outros parceiros tem mais risco que um casal heterossexual na mesma condição?

Essa é uma pergunta difícil. A verdade é que não temos ainda, apesar das tentativas, um questionário que nos permita fazer a divisão. O comportamento de risco é analisado e avaliado, não sabemos qual é o resultado. Pode ser aceite ou não ser. Se a pessoa diz que não teve outro parceiro e o parceiro também garante que não teve outro, a decisão pode ser a de aceitar. Mas a experiência também nos diz que relações que em princípio eram totalmente monogâmicas não são tão monogâmicas assim.

Mas isso para toda a população, independentemente da orientação sexual...

Sim, para toda a população. Agora o que os dados apontam - e é isto que as pessoas têm que aceitar, tenho pena, mas têm que aceitar - é que os homens representam 85% da prevalência da infecção. É a coordenação para o VIH que diz isso...

A coordenação diz que os homossexuais deixaram de ser o grupo de maior transmissão do vírus há anos.

Há um problema com esses dados. Não dizem nada, estão encriptados. Os dados dizem que 58% infectadas são heterossexuais e 16,6% homossexuais. Acha que em Portugal existe um homossexual para cada três heterossexuais?

Esses dados aplicam-se aos casos de infectados, não à população em geral.

Sim, são dos novos casos. E aqui há discrepância. As estatísticas internacionais dizem que dois terços do total de infecção em homens - são homens que tiveram sexo com homens. A taxa de infecção naquela população é muito elevada.

O coordenador é epidemiologista e diz que não há razão para a exclusão.

Eu prezo muito o professor Henrique Barros, é um homem competente e tem uma tarefa terrível que é conseguir tirar Portugal do lugar que ocupa na infecção por VIH. Estamos no 52.º lugar de 53 países na Europa. Foi uma herança pesada que recebeu e tem que lidar com ela. Mas outra coisa é a doação de sangue. Há uma posição de conforto que é não ter que assumir a responsabilidade pela segurança do sangue. Nós é que somos os técnicos desta área, nós é que temos que decidir, não é uma pessoa que tem a tarefa ingrata de lidar com o VIH.

O sangue é sempre analisado, incluindo o de um homossexual que mente?

As análises só por si não são suficientes para garantir a 100%. Entre o momento em que se dá uma infecção e o momento em que ela é detectada, há um período de janela em que não conseguimos detectar nada. No VIH, eram 21 dias, agora são sete. Mas, mesmo com a nova tecnologia, o teste não detecta hoje uma pessoa que se infectou há uma semana. Só uma história clínica bem feita e a auto-exclusão podem ajudar. Se uma pessoa vier para ver se dá positivo, a infecção pode passar. Por isso, fico estarrecido com afirmações de líderes de movimentos activistas que vêm dizer que vão passar a esconder o facto de serem homossexuais. E ninguém se revolta? Isto é deliberadamente querer introduzir no circuito sangue contaminado. Ética, moral e criminalmente pode ser processado.

Qual é a percentagem de casos positivos detectados nas colheitas?


No ano passado tivemos oito casos, o que dá um para 25 mil doações.

E eram homens que tinham relações com outros homens?


Alguns eram.

Mas também havia heterossexuais.

Provavelmente. As pessoas devem estar informadas sobre o que os especialistas consideram comportamento de risco e devem aceitar. Esse é o apelo que fazemos: aceitem a nossa opinião. Os especialistas não estão todos enganados.

Mas qual é a base científica na qual se baseia para dizer que os homossexuais têm mais comportamentos de risco?

Eu não disse isso. A evidência que temos são inúmeros trabalhos que mostram uma maior prevalência de determinadas doenças sexualmente transmissíveis, e por transfusão neste grupo de pessoas que tem este comportamento. Isso está mais do que provado.

Que gays têm mais sexo inseguro?

Os números mostram isso.

Os números da infecção?

Não só por VIH. A sífilis aumentou na Austrália e no Reino Unido, sobretudo à custa das relações homem com homem.

Assume que há uma descriminação, mas justifica-a por segurança.

Não discriminamos. Mas temos por obrigação garantir que fazemos tudo pela segurança. Mesmo sendo injustos para algumas pessoas que poderiam dar sangue mas que, na dúvida são excluídas. A malha é muito apertada. Quando uma pessoa se apresenta assumidamente como homossexual e quer dar sangue, eu interpreto como uma provocação. Quem quer vir dar sangue não vem com esta atitude.

Volto à pergunta inicial, a exclusão é por grupo ou comportamento? Nesse caso, a pessoa até pode praticar abstinência sexual.

Algumas questões não fazem sentido. Ter uma relação homem com homem e ser excluído para o resto da vida. Defendemos que haja uma certa abertura. Homens que foram violados, não devem ser excluídos. Se for esporádico, é justo? Não. Estamos a falar em aspectos técnicos e são os especialistas que têm o conhecimento e a população deve aceitar os conselhos dos especialistas.

Mas os especialistas dividem-se.

Não. Uma coisa é o aspecto técnico. Outra aspecto é o politicamente correcto. Mas quem segue o politicamente correcto não tem a responsabilidade que nós temos. Com os doentes não há lugar ao politicamente correcto, mas ao tecnicamente correcto.

Em 2006, o IPS mudou as regras.

O que fez foi retirar a palavra homossexual e substituir por comportamento de risco. Politicamente correcto. Na prática, manteve-se o mesmo.

Não prevê nenhuma mudança?

No dia em que for possível detectar uma infecção no mesmo dia o problema ficaria resolvido.>

José Sócrates disse esta semana na Blog Conf que a decisão o chocou e que merecia estudo. Foi contactado pelo gabinete do primeiro-ministro?


Não. A ministra deu o seu apoio.

Não lhe foi retirada a confiança política?


A confiança política podem retirar sempre, a técnica é que não.

Por Rute Araújo

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Gosto de pessoas que se estão a cagar para o politicamente correcto e que até denunciam o politicamente correcto. E por isso podia perfeitamente gostar deste senhor, não fosse ele um adepto daquilo chamado... ai, como era... Ah! Discriminação (assim, com i, jornal i).

Só a afirmação "Quando uma pessoa se apresenta assumidamente como homossexual e quer dar sangue, eu interpreto como uma provocação. Quem quer vir dar sangue não vem com esta atitude" mata logo qualquer conversa. E, para mim, há uma diferença entre cagar no politicamente correcto e ser-se um bocado estúpido.


Admito, ainda, ser eu a estúpida (coisa 99% mais provável). Ainda assim, gostava de saber porque é que um homossexual não pode querer doar sangue se estiver numa relação estável e usar preservativo.
Responder-me-ia o senhor presidente Gabriel Olim (mas porque raio o nome do presidente do IPS não é referido uma única vez no artigo?)que ah e tal relações que se afirmavam monogâmicas afinal tinham as suas facadinhas. Hum... não me convenceu. Isso é válido tanto para gays como para heteros.

A resposta do sr presidente é um bocado fraquinha... Diz ele que ah e tal, a prevalência de HIV nos homens é de 85%. Isto quer dizer que os homens heteros que dão facadinhas matrimoniais são mais dignos de confiança do que gays? Do que eu leio na entrevista sim. Porque tanto num caso como noutro há risco. Quero acreditar que o IPS não arrisca a nossa saúde pensando "Hum, este hetero tem aspecto de quem molha o pincel em vários sítios... mas como as probabilidades de contrair HIV são mais baixas siga lá com isso".

Outra pergunta que gostaria de ver respondida era: se um heterossexual mentir sobre o seu comportamento, também deve ser "processado"? E se um homossexual não tiver relações sexuais há meses ou ter um único parceiro e praticar sexo seguro, também deve ser processado por não admitir as suas tendências??

Se as análises ao sangue só não podem detectar infecções contraídas há cerca de uma semana, porque raio é que só deve haver uma certa abertura se as relações entre homens forem "esporádicas" ou isso tiver acontecido em caso de violação?!?

Valha-me santa paciência...

Afinal que critérios usa o IPS para garantir a segurança que todos esperamos? Se há riscos para todos os grupos (não interessa se nuns há mais do que há menos, eles
existem), como é possível não querer aceitar sangue de homossexuais (homens) com relações estáveis e protegidas por desconfiança na sua promiscuidade e aceitar as de heterossexuais?

E esta é uma das razões que dá toda a legitimidade aos homossexuais de se sentirem discriminados, caso o senhor presidente não tenha entendido antes, como ficou patente na entrevista.

É incrível que o presidente de uma entidade deste nível afirme que exclui, sim senhora, o sangue de heterossexuais que afirmam ter comportamentos de risco, mas que queira excluir homossexuais que afirmam não ter comportamentos de risco, só porque, 'ui, ai,consta que eles são muito promíscuos, nunca se sabe'.

E ainda que as análises não possam detectar logo infecções, continua a ser, na minha opinião, injusto afastar os gays sob essa lacuna, pela mesma razão que já apontei antes.

Ao ler esta entrevista retiro que, para o IPS, os gays homens são menos dignos de confiança do que a restante população. E isto não se desculpa com razões "técnicas". Por isso, no fundo, acho que o senhor Gabriel Olim é mais um dos politicamente correctos que tanto desdenhou na sua entrevista. Porque, em vez de assumir uma discriminação, desculpa-se com "razões técnicas".

Numa coisa concordo com o senhor:

"
No dia em que for possível detectar uma infecção no mesmo dia o problema ficaria resolvido".

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