O dia de ontem foi uma bela vitória para o governo, para a austeridade e para os vendedores de balelas do tipo "os portugueses vivem acima das suas possibilidades".
Isto porque, em dia de greve geral, vi mais gente a discutir o conceito da greve do que propriamente os motivos que a originaram. Uns quantos a dizer orgulhosamente nos blogues ou no facebook que estão a trabalhar em dia de greve, não percebendo a ironia de tentar ridicularizar quem está a fazer greve com um post na internet em horário de trabalho.
Vivemos numa época profundamente estúpida. Uma época em que os juros da nossa dívida subiram a níveis astronómicos, em que temos de aplicar dietas para acalmar o deus mercado e que consistem em cortar pernas e braços em vez de gorduras. Como recompensa por essas dietas, os mercados respondem aumentando-nos a dívida porque - oh meu deus! - a dieta fez com que tenhamos perdido peso.
Eu sei, é uma frase pouco clara. Em homenagem aos tempos actuais. O que vale é que aprendemos a lição: apertamos na dieta e toca a cortar, sei lá, um rim, esperando que a mesma receita origine por milagre um resultado diferente.
Discute-se se a greve faz sentido. Vi, aliás, bastante gente da minha geração contra o conceito de greve, mais até do que contra esta greve em particular. Não discutem a (in)justiça dos cortes, a distribuição (in)justa dos sacrifícios, as responsabilidades dos nossos gestores e governantes. Não. Discutem se fazer greve faz sentido. O quê?!
E porque são pessoas da minha idade contra a greve? Por razões como "estamos em crise e o país precisa de produzir". Brutal. Deixemo-nos depenar à vontade, ao mesmo tempo que, diariamente, ouvimos mais um escândalo político e / ou económico. Deixemo-nos ficar quietinhos e calados, porque um dia de trabalho faz tanta faltinha ao país, pois temos é de produzir mais, com mais horário de trabalho e menos feriados e férias e mais tretas dessas que atropelam direitos, fazendo-nos regredir na história.
Deixemo-nos ficar amestrados, que isso é que é bom. Assim é que vamos sair desta. Eu se fosse governante ou investidor e soubesse que o meu povo é assim tão submisso, carregava à bruta. Mas isso sou eu. "Isso da greve não adianta nada". Então e de que adianta não fazer, efectivamente, nada? Fico à espera da contribuição destes génios que adoram teorizar no conforto da sua cadeira.
Outra cena brutal que o governo conseguiu implantar (embora esta clivagem sempre tenha existido) foi a divisão entre público e privado. Para muitos, esta greve geral era a greve da função pública, que é, obviamente, a raiz de todos os nossos males. Qual foi a parte do "greve geral" que não perceberam? Não, esta não era uma greve para os funcionários públicos que saíram à rua porque não tiveram aumentos e não querem cortes nos subsídios. Mas isso não interessa. Deixa-me demonstrar publicamente toda a minha ignorância, mostrando-me contra uma coisa que eu nem compreendi. Meus amigos: para demonstrações públicas de ignorância estou cá eu e o meu blogue. Não gosto de concorrência.
É preocupante que nós, enquanto sociedade, sejamos tão fracos, tão facilmente manipuláveis. E é por isso que vamos continuar a comer e a calar medidas injustas, preguiçosas e que só pioram a nossa situação. Enquanto andarmos entretidos com isto, vamos empobrecendo. O que não deixa de nos levar ao tema da revolta, mas por outros caminhos: é que quando estivermos na miséria, levantamo-nos todos em bloco. Porque aí já não vamos ter nada a perder.
2 comentários:
A tua última frase é sublime, e embora por outras palavras, já a disse hoje uma boa dezena de vezes.
Sara, um dia estaremos todos na miséria. Um dia, vamos ser todos, efectivamente, a correr com esta escória. Mas esse dia, como vês, vem ainda muito longe. Mas sei que tanto tu como eu tudo faremos para que se abrevie o tempo.
Parabéns pelo texto. Inflamado, indignado, mas ainda assim lúcido e bem escrito. Lutemos. Se não pela minha geração, pelo menos pela tua.
bravo, colega!
também eu estou farta de gente imbecil... parece que vivemos rodeadas de mulas.
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