08 fevereiro, 2011

Ainda bem que não sou a única parva. Há mais a fazer-me companhia

Os parvos saíram todos da casca. Finalmente uma música volta a despertar este sentimento e esta vontade de agir neste povo amorfo e acomodado à sua condição, seja ela excelente ou péssima (é para estes extremos que caminhamos cada vez mais).

Primeiro foram os parvos retratados na música Que Parva Que Sou. Finalmente alguém colocou numa música aquilo que eles (eu) sentem (sentimos). Não, não descobrimos isto só agora. Quem parece só ter descoberto que este problema existe são os Josés Manueis Fernandes desta vida. Aqueles que falam e publicam bonito, mas que na hora de contratar e pagar fazem de nós parvos.

Também não podiam faltar as pessoas que dão outra interpretação à letra da música, tomando-a pelo básico: que a música desincentiva ao estudo. Eu, que sou uma das parvas que continua a estudar, interpreto-a como um recado aos mais bem instalados: essa condição não vos dá o direito de espezinhar a geração dos vossos filhos e dos vossos netos. Acordem para a vida! Não é uma música que desincentiva ao estudo, é toda uma situação de humilhação a que a geração mais bem prepara de sempre é sujeita. Eu tenho amigas a trabalhar em supermercados. Será que essas amigas vão dizer aos filhos a vida inteira para eles estudarem para serem alguém, como eu ouvi? Mas eu compreendo. É mais fácil culpar a música.

Eis que finalmente surge uma análise feita por um de nós, parvos. Aqueles que, efectivamente, sabem do que falam, porque o vivem diariamente. Sem paternalismos, sem apelos estúpidos de ascensão rápida na carreira só porque se tem um canudo. E sem dar cavaco àqueles bem instalados que choram lágrimas de crocodilo por uma geração que eles ajudam a enterrar todos os dias.

O autor chama-se Rui Pelejão, não faço a mínima ideia quem seja, mas escreveu um artigo intitulado A hipocrisia dos cotas que se comovem com a música dos Deolinda

Aconselho vivamente a leitura deste artigo. Se eu escrevesse um artigo a analisar este movimento de prós e de contras à canção dos Deolinda, seria qualquer coisa assim do género, mas em pior.

Aqui fica novamente: http://www.a23online.com/2011/02/07/a-hipocrisia-dos-cotas-que-se-comovem-com-a-musica-dos-deolinda/

5 comentários:

Vita C disse...

Fui ler. E verdadeiramente acho que há aqui mais do que parece. É verdade que está muito em voga devorar o que de novo aparece, pouco pensar sobre isso, desde que o resultado seja positivo para o próprio. Não andei propriamente a espalhar Deolinda porque não acho piada nenhuma ao queixume sentado, para estar sentado existe um festival para gente sentada. E continuar a gostar mais do Zeca. É certo é que a hipocrisia dos cotas existe tal como formulada no texto do tal senhor. Mas também li, ou interpretei, uma rejeição da expectativa de um mundo melhor por quem se licencia, uma prelecção moral por termos estas mesmas expectativas, e um semi-ralhete por ainda nos queixarmos. Ah, que assentar o rabiosque em casa dos pais e tal. Bom, eu tenho 30 anos e não ganho para sair de casa. Ah, que o carro em 2a mão e os copos no Bairro. Bem, eu não tenho carro, e não me parece que os copos que vou bebendo dessem para pagar um carro em 9a mão. E assim por diante. Eu tenho direito às minhas expectativas, não por ter um canudo, mas porque trabalhei para elas. Tanto que honestamente nem sei se valeu a pena.

Sara non c'e disse...

Vita C, o texto diz que temos direito às nossas expectativas (como não? Se não tivéssemos expectativas não íamos tirar cursos). O que ele diz também é que não é só por sermos licenciados que devemos esperar que nos caia um emprego e condições melhores no colo. Também há que fazer por isso. Fazer o quê? Isso depende da área da pessoa e da sua personalidade. Com efeito, tu se calhar não és a pessoa a quem o texto dá o ralhete. Não tens carro (eu também não, não tenho dinheiro para sustentar um), tomo o meu copo de vez em quando, que não há-de ser aos 60 que o vou fazer, e também já não estou em casa dos pais apenas graças ao Estado (que me acaba de retirar o apoio que me dava), pelo que terei de ir para casa de alguém, que também não ganho para me manter sozinha.

Se estás a lutar por uma vida melhor, o ralhete não te inclui. Mas há muita gente que não está a lutar. E esses não podem beneficiar da nossa luta só porque têm um canudo e mais nada.

Dylan disse...

Sinceramente, gostei do texto de José Manuel Fernandes independentemente de saber se aquilo que ele escreve é sincero. Por outro lado, não penso que seja ele a dar a última palavra no pagar e contratar. Sabes bem a quem pertenceu o "Público" e, apesar de lá ter ocupado lugares de relevo, a sua voz não era decisiva.

Sara non c'e disse...

Dylan, parece-me que o director tem de ter uma palavra a dizer. Estou a frequentar um seminário no Gabinete do Parlamento Europeu e Portugal e, no fim, uma das pessoas vai ser premiada (?) com um estágio não remunerado no Público. Até agora só vi lá licenciados. Deve um licenciado trabalhar de borla? Deve existir esta discriminação? E se eu quisesse aproveitar o estágio, deixava o meu trabalho pago em troca de um estágio que me paga o passe e me dá uns trocos para almoçar?

Não basta escrever bonito (que de facto é, é um texto bonito). É preciso fazer mais do que isso. E o texto pode ser bonito mas cheira mal. Cheira a uma parcela de culpa pela situação em que estamos.

Sunflower disse...

"Quem parece só ter descoberto que este problema existe são os Josés Manueis Fernandes desta vida. Aqueles que falam e publicam bonito, mas que na hora de contratar e pagar fazem de nós parvos."

So proud of you! And you were soooo busted! Again! :P
Acho melhor arranjares forma de me bloqueares nesta coisa. :D