13 agosto, 2010

A soldado Desconhecida

Quem perde tempo (o tempo é realmente perdido) a ler o que o comum dos mortais escreve pela web, seja em blogues, comentários de jornais online, facebooks ou mesmo na imprensa, sabe que a juventude está perdida. Que hoje o jovem não quer fazer nenhum, não quer estudar, vive de mesada e gasta tudo na má vida, acaba os estudos e não quer fazer nenhum (ou quando não arranja emprego na área fica em casa à espera que caia). Resumindo e concluindo, tem tudo de mão beijada e não sabe o que são as dificuldades da vida. E, claro, antigamente é que era bom, esta geração é rasca que dói.

Ontem, um dos Redactores Principais do Diário de Notícias escreveu este texto de opinião, sobre Josefa Santos, a estudante-trabalhadora e bombeira de 21 anos que morreu aqui em Gondomar, num incêndio:


Josefa, 21 anos, a viver com a mãe. Estudante de Engenharia Biomédica, trabalhadora de supermercado em part-time e bombeira voluntária. Acumulava trabalhos e não cargos - e essa pode ser uma primeira explicação para a não conhecermos. Afinal, um jovem daqueles que frequentamos nas revistas de consultório, arranja forma de chamar os holofotes. Se é futebolista, pinta o cabelo de cores impossíveis; se é cantora, mostra o futebolista com quem namora; e se quer ser mesmo importante, é mandatário de juventude. Não entra é na cabeça de uma jovem dispersar-se em ninharias acumuladas: um curso no Porto, caixeirinha em Santa Maria da Feira e bombeira de Verão. Daí não a conhecermos, à Josefa. Chegava-lhe, talvez, que um colega mais experiente dissesse dela: "Ela era das poucas pessoas com que um gajo sabia que podia contar nas piores alturas." Enfim, 15 minutos de fama só se ocorresse um azar... Aconteceu: anteontem, Josefa morreu em Monte Mêda, Gondomar, cercada das chamas dos outros que foi apagar de graça. A morte de uma jovem é sempre uma coisa tão enorme para os seus que, evidentemente, nem trato aqui. Interessa-me, na Josefa, relevar o que ela nos disse: que há miúdos de 21 anos que são estudantes e trabalhadores e bombeiros, sem nós sabermos. Como é possível, nos dias comuns e não de tragédia, não ouvirmos falar das Josefas que são o sal da nossa terra?


Parece que há mais realidade para além daquela que vem na imprensa, o que poderá ser uma descoberta extraordinária para muita gente. O curioso é só sabermos disso através... da imprensa, claro. Mais curioso ainda, a crítica pelo facto de só agora termos tido conhecimento da existência de jovens como a Josefa vem... de um dos Redactores Principais de um dos maiores jornais diários do país.

E como é que eu cheguei a este texto? Através do Facebook de José Manuel Fernandes, que citou na íntegra o texto de Ferreira Fernandes. Sim, esse mesmo José Manuel Fernandes que estão a pensar, o ex-director de outro dos maiores jornais diários do país, o Público.

Assim sendo, eu devolvo a pergunta com que termina o texto de Ferreira Fernandes, a si mesmo, ao ex-director do Público, às pessoas que detêm o poder de alterar isso:

Como é possível, nos dias comuns e não de tragédia, não ouvirmos falar das Josefas que são o sal da nossa terra?

9 comentários:

Cirrus disse...

As generalizações são sempre perigosas, é um facto. Na minha altura de juventude inconsciente, em que trabalhava para pagar o curso e ajudar em casa, também fui acusado de ser rasca, ou de estar inserido numa geração rasca. Hoje cometemos o mesmo erro. Amanhã serás tu. É inevitável que o conflito de gerações exista. De uma coisa estou certo: são os senhores que querem fazer passar essas mensagens sobre a juventude, a geração que me precedeu, a dos meus irmão mais velhos e até dos meus pais, que pôs este país num buraco sem fundo. Veremos se a minha ou a tua conseguem fazer melhor. Espero bem que sim.

Isto sem escamotear o facto de haver, de facto, parte significativa de lobotomizados entre os jovens de hoje. E isso prende-se essencialmente com uma percepção pouco clara de prioridades. Nem todos põem o emprego ou trabalho à frente dos telemóveis, das roupas, ou do mais recente fenómeno em Portugal, os festivais musicais que são como cogumelos, caros como a p... que os par.. e para os quais há sempre dinheiro, apesar dos sacrifícios próprios e da família. Há gente boa. Há gente estúpida. Há de tudo. E desde quando foi diferente?

Sara non c'e disse...

Aí é que está, nunca foi diferente. Mas eu doo-me agora, que sou jovem e é em mim que recaem acusações de ser rasca, de ter cabeça oca, de ser materialista, de não ter educação nem respeito.

Poderia deixar de ser assim? Provavelmente. E acho que a imprensa tem um papel importante nisso. Em vez de só dar notícias negativas, podia de vez em quando mostrar que casos maus coexistem com casos bons. E mostrar que as generalizações são erradas. Ainda bem que há gente com algum poder de decisão dentro da imprensa que sabe ver o mal. Podia agora era fazer alguma coisa para o combater.

Cirrus disse...

Sara, sabes bem melhor que eu que as más notícias vendem bem mais que as boas. E isso pouco tem a ver com a realidade, antes com a necessidade do público de se confortar ao ler e pensar: afinal, não estou assim tão mal...

Sara non c'e disse...

É claro que sei disso, Cirrus. Mas no meio de tanta página de jornal, não há espaço para umas coisas boas? Eu acho que há...

Dylan disse...

De facto, a comunicação social tem grande culpa pela grande maioria da juventude andar alienada. É "Big Brothers", "Big Modelos", o culto da vaidade, dos bens materias, do exibicionismo, da vulgaridade. Sem referências humanas, sempre tiveram tudo sem se esforçarem. Temo que as gerações futuras serão ainda piores e não podemos desculpabilizar o papel frouxo de alguns pais.

Depois existem os "soldados desconhecidos". Uma minoria, é certo, com valores firmes e dedicados a causas, rejeitando a futilidade mas que não são tão atraentes aos olhos de "Cofinas", "Controlinvestes", "Medias Capitais" e "Lenas".

Pronúncia disse...

Sara, tu és um bom exemplo da juventude que não se acomoda, que não desiste, que vai à luta... é de pessoas como vocês que este País precisa.

Jovens inconscientes e a geração a mais velha a dizer que a mais nova estava perdida já é um clássico... não é novidade absolutamente nenhuma! Os meus avós diziam isso dos meus pais e estes de mim. A "Gerenation Gap" não é uma invenção recente... já tem umas décadas valentes.

Piston disse...

O autor do texto devia urgentemente começar a fazer alguma coisa de jeito na vida em vez de tentar escrever novelas num jornal.

Sara non c'e disse...

Dylan, eu acho que os pais têm sempre um papel fundamental. E que cada vez parece ser mais difícil...

Pronúncia, perto desta rapariga eu sou uma lesma que mal se mexe! Admiro mesmo muito os bombeiros e acho que são muito mal pagos e muito pouco valorizados... até que um dia precisamos deles. E eu sei que sempre foi assim e que sempre será assim, sobretudo porque os casos positivos ficam sempre na gaveta...

Piston, isto nunca poderia ser uma novela porque a moça é um protótipo de perfeição e bondade. No fim ela deveria vencer a rival manipuladora e casar com o chefe da corporação, em vez de morrer assim...

Piston disse...

Concordo. A gémea má não deveria ter direito a comer o chefe.