18 outubro, 2009

Este Jornalismo para quê?

O título é o mesmo de um debate que fui ver, esta quinta-feira dia 15, ao Instituto Franco-Português, em Lisboa, motivado pela edição deste mês do Le Monde Diplomatique. Que futuro para o jornalismo? Não sei, mas a continuar assim, a noção de "futuro" do jornalismo será uma coisinha muito negra.

"«Imaginem», propõe o universitário americano Robert McChesney, «que o governo pega num decreto e exige a redução brutal da importância atribuída às questões internacionais na imprensa, que impõe o encerramento dos escritórios de correspondentes locais ou uma drástica redução dos seus efectivos e dos seus orçamentos. Imaginem que o presidente ordena aos media que concentrem a atenção nas celebridades e em ninharias, em vez de investigarem os escândalos associados ao poder executivo. Numa tal hipótese, os professores de jornalismo desencadeariam greves de fome e universidades inteiras teriam de fechar por causa dos protestos. Mas quando são interesses privados em posição de quase monopólio que decidem mais ou menos a mesma coisa, não se registam reacções assinaláveis.»"


Apesar das devidas diferenças, pois o governo é eleito por nós para defender os nossos interesses, ao passo que os privados estão ali para defender os seus próprios e pisar quem tiver de ser, não deixa de ser um bom exercício.

Nem vou falar nos estágios "curriculares" não remunerados que proliferam em todo o lado, chegando ao cúmulo de pedir editores. Mas não há direito que esta seja uma profissão tão precária. Onde há excelentes jornalistas a ganhar 500 euros a recibos verdes durante tempo indefinido e a trabalhar como mouros. Onde existem inúmeros "sonhadores" que se sujeitam a trabalhar à peça, arcando com os custos da sua produção, e que depois porque a peça não foi publicada, nada recebam. Ou que recebam por mês uma média de 100 euros.

 Mas não são só os colaboradores a recibos verdes que são precários. Hoje em dia qualquer jornalista com 20 ou 30 anos de casa está sujeito a vir para a rua de um dia para o outro, literalmente. Uma noite recebem uma convocatória para uma reunião matutina, e após essa reunião já não têm emprego. Critérios de exclusão? Quem tem mais condições salariais e, claro, quem se "porta mal". Traduzindo, quem não baixa as calças ao entrar numa redacção e ousa pensar pela sua própria cabeça em questões polémicas, ou encomendas de peças só para fazer o favor a x ou y empresa. Inúmeras razões.

Sem falar nos condicionalismos existentes acerca de jornalistas sindicalizados. Na (não) admissão de um sindicalizado, e à desmotivação na adesão ao sindicato dos jornalistas, como referiu o presidente do sindicato, Alfredo Maia. Debateu-se ainda se os precários devem ou não poder sindicalizar-se. Eu acho que o debate devia ser o que podemos fazer para diminuir a precariedade...



Não posso dizer que este debate tenha acrescentado algo àquilo que eu já sabia, embora tenha valido muito a pena lá ter ido. É bom arrastar o meu namorado para estas coisas, para ele ver o sarilho em que estou a tentar meter-me :-)

Deu, por exemplo, para saber que ainda há quem pense que a precariedade só existe devido à incompetência do profissional, como disse um espectador, que fez questão de dizer que não era nem foi jornalista. Nem precisava porque, pela sua intervenção, isso era mais do que óbvio. Disse o senhor que acha que jornalista que é bom é bem estimado pela redacção e não tem de passar por isto da precariedade. Já os outros, estão nessa situação porque blá blá blá e os estudantes saem muito mal preparados das faculdades, coiso e tal, que isto "é como na carpintaria, quem é bom fica, quem não é vai embora".
Comparar jornalismo a carpintaria é das coisas mais sábias que já ouvi na minha vida. Aliás, o contributo para a democracia de um e outro ofício são quase iguais. Não esquecer que Salazar caiu do poder graças a uma peça de mobiliário, e logo aí a carpintaria está à frente da imprensa no que toca a tirar do poder um ditador.


Precariedade, isolamento da profissão por que passam os jornalistas cujo trabalho, por lei, não pode ser feito nas redacções, ameaça da internet aos outros meios e actual debate entre a fronteira entre mera comunicação e jornalismo, sindicalismo, concentração dos media em grandes grupos económicos privados e condicionalismo ideológico. Estes foram os temas principais do debate. É toda esta merda em que o jornalismo se está a afogar.
Este jornalismo para quê? Para beneficiar quem não tem interesse na existência de uma impresa livre, que cumpra a sua principal função e investigação, de denúncia, de alerta.Quando alguém se levantar para fazer alguma coisa, espero que já não seja tarde demais.



Parabéns ao Alfredo Maia (presidente do Sindicato dos Jornalistas),Carla Baptista (FCSH-UNL), Daniel Oliveira (ex jornalista, bloguer n'O Arrastão, João Pacheco (jornalista, Precários Inflexíveis) e Sandra Monteiro (directora do Le Monde diplomatique) pelo debate.

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